quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Futebol não é mercadoria (1)

O Brasil perdeu nesta quinta-feira, 8 de outubro, sua primeira partida de estreia em eliminatórias para a Copa do Mundo. No distante 1993 havia perdido pela primeira vez, desde 1954, a condição de invicto nos jogos qualificatórios para a Bolívia, na altitude. Agora largamos junto com a Argentina para o Mundial da Rússia nas últimas posições da tabela sul-americana das Eliminatórias, já que os Hermanos perderam para o time de Rafael Correa - Equador - pelo mesmo placar de 2 a 0.

O que aconteceu com o futebol brasileiro?

A CBF – antiga CBD – é corrupta desde a sua criação e, mesmo assim, fomos pentacampeões mundiais.

Na minha opinião, o que houve nos últimos 20 anos foi o acúmulo de vários problemas, ou "defeitos", por assim dizer. Parece até acidente de avião. Não há uma causa, um culpado direto. São milhares de pequenas e grandes coisas que levam um avião a despencar. A analogia com o futebol é grande. Mas o futebol não despencou. Dialeticamente, mudou de qualidade.

São cada vez mais frequentes as lamúrias em relação aos jogadores e ao futebol jogado no Brasil. Hoje vivemos uma inédita estiagem de craques e não temos projetos que possam dirimir ou estancar as suas consequências. Na lista de defeitos eu coloco, em primeiro lugar, o capital. Ele é um dos que transformou o esporte em mercadoria e é a lei do mercado que rege o dito cujo. Faltou inteligência para o mundo do futebol brasileiro para extrair o melhor. Garrincha, o sujeito "ingênuo", de pernas tortas e driblador, teve dificuldades para começar a carreira nos anos 1950. Hoje, apesar de driblador, provavelmente seria proibido de jogar, por ter as pernas tortas. Um laudo médico poderia condená-lo.

O lucrativo é formar zagueiro alto, rápido, forte. Jogador com um metro e sessenta mostra suas qualidades na várzea. Não no gramado das modernas arenas. Ninguém vai querer comprar um driblador porque não há espaço e tempo para o drible, dizem. E também não há espaço para o driblador, porque o futebol "não é para humilhar o adversário".

Do início e popularização, no início do século 20, até a profissionalização, decorreram cerca de 30 anos. Os clubes sobreviviam com o dinheiro das mensalidades pagas pelos seus sócios e das rendas produzidas nas partidas que o time jogava em casa.

O amadorismo começou a morrer quando os clubes passaram a ratear parte da renda com seus jogadores. Era assim que o time se tornava atrativo, era assim que um clube podia atrair o craque do vizinho, do rival menos rico. Negros e pobres, em grande parte, estavam alijados dos elencos. Uns pelo racismo e outros pela pobreza mesmo. A elite não gostava de jogadores que jogavam por dinheiro. Mas, se quisessem um craque no time, tinham de pagá-lo, mesmo que relutantemente.

É curioso notar que a mídia foi visceralmente contra a profissionalização. Diziam, nos anos 1930, que ela acabaria com o futebol brasileiro. Mas, na verdade, fez com que negros e pobres pudessem, finalmente, jogar o esporte, que havia perdido seu caráter de jogo de elite justamente pelo fim do amadorismo. Vem dessa época a expressão "futebol não dá camisa a ninguém", que procurava remover o desejo do jovenzinho em virar um jogador consagrado. Era melhor trabalhar como assistente de pedreiro na construção civil, pois ali ele poderia alimentar sua fome e se vestir, deixando o futebol para os almofadinhas. É um capítulo da luta de classes, em que negros e pobres acabam virando proletários porque o "capital" quer extrair deles a "mais valia" que produzem em campo.

Dessa profissionalização decorreram as leis. A mais duradoura foi a lei do passe, que vinculava o jogador a um clube – que detinha seu passe, ou seja, a sua licença para jogar futebol – e só poderia deixá-lo se outro clube pagasse pelo seu passe. Essas transações foram se tornando cada vez maiores, pois geravam lucros sempre inéditos às equipes que tinham menos torcedores. O passe valia desde o preço de uma casa média ou um carro de luxo nos anos 1930 até vários milhares de dólares nos anos 1990.

Não é coincidência a profissionalização se dar nos anos 1930. É naquela década que o capitalismo vive a sua primeira grande crise, só superada no ano de 2008. Ela é também uma das razões para a adoção do profissionalismo. Os clubes burgueses sofreram com a Grande Depressão econômica, já que seus patronos e sócios eram muito ligados à agropecuária. O setor do café, com seus barões, foi duramente atingido e os clubes ligados à eles acabaram deixando de lado o futebol, que havia encarecido demais para ser mantido. Os barões do café faliram e, com eles, vários clubes da elite. Como por exemplo um dos grandes de São Paulo, a Associação Atlética das Palmeiras. Um clube alvinegro que era mantido pela elite cafeeira paulistana.

Sobreviveram os clubes populares, porque tinham grandes torcidas, grandes rendas e, principalmente, porque seus sócios eram de várias camadas da população. A desculpa mais dada para o sumiço de clubes até então tradicionais dos campeonatos é de que eles prezavam o amadorismo em lugar do profissionalismo. Como haviam ligas amadoras, cabe a pergunta: por que fecharam, já que era possível continuar disputando campeonatos amadores? O futebol, por si, como esporte, já não interessava a eles.

Embora o ingresso fosse gratuito para quem era associado do seu time, o futebol gerava rendas altas, devido ao grande interesse que despertava na população, carente de diversão. Estádios lotavam. Daí o poder público interveio a seu favor. Grandes estádios começaram a pipocar nas grandes cidades. Na maioria das vezes, era o estado ou a prefeitura que dispendia recursos. São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, são exemplos de cidades onde o poder público ergueu grandes estádios (Pacaembu, Mineirão e Maracanã).

O futebol se torna um esporte de alto lucro, com forte atração e grande interesse das empresas de mídia, que passam a lucrar com ele a partir dos anos 1970, com as transmissões de partidas em troca de comerciais na televisão. Transações milionárias surgiram a partir dos anos 1980, quando o futebol da Europa voltou a permitir a importação de estrangeiros para seus times. Se durante os anos 1960 um craque como Pelé jogava por toda sua carreira em apenas um time, nos anos 1980 a situação começa a transformar-se.

Naquela época, a cadeia de transmissão do dinheiro no futebol era simples: O clube pequeno investe em jogadores jovens, acha um astro, lucra com ele ao vendê-lo para um clube grande.

A partir dos anos 1980 os clubes grandes - e também os pequenos - passam a vender jogadores para o exterior, em troca de grandes somas de dinheiro. Vão para a Europa - e outros continentes - em diferentes épocas os melhores jogadores do Vasco da Gama (Roberto Dinamite), Flamengo (Zico), Fluminense (Rivelino), Corinthians (Sócrates), São Paulo (Raí). O Brasil tem vários celeiros de craques e quase prontamente esses jogadores são substituídos por outros de qualidade.

Essa cadeia é rompida com a promulgação da Lei Pelé. Os clubes já não contam mais nas transações. A mudança na legislação é um duro golpe nas finanças deles. Ronaldinho Gaúcho, um craque excepcional, sai do Grêmio para a Europa de graça. Não há mais vantagem em investir em jovens promessas, a não ser que o clube tenha dinheiro para manter o jogador livre das ofertas e "preso" ao clube, mas por pouco tempo, já que contratos não podem exceder um prazo determinado por lei. Os clubes pobres estão fora desta possibilidade.

O capital, hoje é o principal objetivo de qualquer clube. Sem ele não há sobrevivência possível e centenas de pequenos clubes já deixaram de ser ativos, extinguiram-se ou viraram propriedades de agentes de futebol. Só em São Paulo é possível enumerar alguns casos: Ituano, Novorizontino, Catanduvense e Ferroviária. Extintos, voltaram à luz na mão de empresários. São casos famosos os times já nascidos nas mãos desses agentes: Grêmio Barueri e Guaratinguetá, que num dado momento - financeiramente melhor para eles - foram Grêmio Prudente e Americana. Esses clubes existem pelo dinheiro, não pelo esporte.

O lado positivo, se é que há, é que aumentou o profissionalismo no futebol. Não há como comparar a desorganização existente até 1990 com o mundo moderno e "clean" trazido à luz pela grana preta aplicada, principalmente, pelos patrocinadores e pelas emissoras de televisão. O futebol virou coisa de milionários. O capital infiltrou-se nele e não há futebol competitivo fora dele. Hoje, é outro futebol. O futebol que consumimos e não o que torcemos.

Continua

domingo, 30 de agosto de 2015

O atacante Fidel Castro

Em meados de junho de 2014, o site de notícias cubano Cubadebate trouxe uma informação inusitada sobre o líder da Revolução Cubana, Fidel Castro. Ele foi atacante da equipe de futebol do colégio em que estudava, em Havana, no princípio da década de 1940.



Fidel, o segundo da esquerda para a direita


Em princípios dos anos 1940, o sacerdote catalão Pedro Pablo Ferré Elías teve entre seus alunos, no colégio de Belén, centro jesuíta de ensino de Havana, com o adolescente Fidel Alejandro Castro Ruz, na época um destacado aluno e desportista, e lhe explicou o então sistema tático corriqueiro do futebol da época: o goleiro, dois defensores, três meio campistas e cinco atacantes.

Sob a direção de Ferré, que era administrador do colégio, árbitro e treinador de futebol, o jovem Fidel foi colocado no ataque, como o meia-direita, o famoso camisa 8, daquele sistema que se denominava então de 2-3-5 e que foi morrendo ao longo do tempo.

"Fidel foi um jogador regular. Era corpulento, musculoso, um jogador bastante forte e do tipo corajoso. Jogava ocasionalmente, não era titular na equipe, mas gostava bastante de futebol", recorda hoje Armando Montes de Oca Arce, que foi companheiro de equipe do agora octogenário líder cubano.

Em um bate papo com a imprensa cubana recentemente, Fidel lembrou: "era atacante, corria bastante. Comecei na quinta série, no Colégio Dolores, em Santiago de Cuba, em uma quadra de cimento, e a bola não era como as atuais. O futebol me ajudou a ter vontade, a exercer minha capacidade de resistência física, me deu prazer, satisfação, espírito de luta e competitividade".

Famoso no âmbito esportivo por sua paixão pelo beisebol – que é uma religião em Cuba – em sua juventude e depois do triunfo da Revolução praticou outras atividades esportivas. Mas há poucos detalhes de Fidel futebolista. Embora sejam abundantes as fotografias em que está vestido como jogador de beisebol, ou jogando basquete, são raras as de seu passado como boleiro.

Após os primeiros contatos com o futebol durante a infância, em Dolores, uma instituição católica primária do leste de Cuba, sua mãe, Lina Ruiz, e seu pai, Ángel Castro, o enviaram para Havana para cursar o ensino secundário a partir de 1942 em Belén, uma das principais escolas da Companhia de Jesus na América.

Situado no subúrbio de Marianao, Belén estava perto do bairro de Pontes Grandes, reconhecido por sua paixão futebolística e sede do estádio La Polar. O colégio era privado e ali só estudavam filhos de famílias ricas, como a de Fidel, cujo pai, de origem galega, era um endinheirado do oeste de Cuba.

Foi recomendado na época a Ferré que visitasse a escola Niños de Belén, que era para pobres e ficava perto do colégio. Era regida por jesuítas e era onde estudavam Montes de Oca e seus amigos. O sacerdote observou o campeonato dessa escola e escolheu os jogadores que tinham condições para integrar a equipe de Belén, que competiria na Liga Intercolegial de Havana.

“O irmão Magdaleno era quem organizava a gente e Ferré disse que escolhera três de nós", lembra Montes de Oca. Os escolhidos foram Óscar Pasín, outro jovem cujo apelido era "Pedreiro", e Fidel Castro.

Pouco depois, Belén foi convidade a jogar contra a Casa de Beneficencia y Maternidad, um orfanato situado diante do malecón de Havana. "Fidel jogou essa partida. O campo tinha pequenas dimensões, era muito ruim, não tinha gramado. Nesse dia foi feita o que pode ser a única das poucas fotografias de Fidel como futebolista", relata enquanto mostra o papelzinho com a fotografia, com o cuidado devido de quem está manuseando um tesouro.

O time de Belén goleou a Casa por 4 a 0. "Não me lembro se Fidel marcou algum gol nesse dia" diz Montes de Oca. Apesar do tempo decorrido e ao deixar algum nome escapar da memória, foi capaz de dizer os nomes completos de alguns dos jovens que participaram do ataque daquela equipe, com o jovem Fidel Castro, "corpulento, musculoso, muito forte e, sobretudo, bastante corajoso". O ataque era "Piélago, Fidel, Diego, Ignacio e Pasín", encerra Montes de Oca.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Dynamo Berlin: o fantasma que reluta em desaparecer

Enquanto o amistoso entre a equipe principal do Dynamo e o segundo quadro do Union Berlin prossegue, os torcedores mais velhos compreendem que o passado glorioso de seu time dificilmente será revivido. Dizem as más línguas, aquelas que venceram o muro e se apropriaram da RDA, que o time do apito, o time da Stasi, o mestre do assalto e outros apelidos menos jocosos não vai sobreviver, quanto mais alcançar um átimo sequer do que teve na década de 1980.

O time joga num estádio acanhado. Por incrível que pareça, o Stadion der Weltjugend, no Jahnsportpark, onde jogava na RDA, foi desmantelado para dar lugar à polícia secreta da Alemanha Federal. Hohenschönhausen é a parte de Berlim onde está o estádio que o Dynamo sedia seus jogos. O único apelido que a torcida suporta e que tem ligação com o passado é "recordista de títulos", graças ao decacampeonato da Oberliga. Hoje, o clube promove a si mesmo como "der etwas andere club" (algo como "um tipo diferente de clube').

Equipe decacampeã da RDA

Em um país em que o esporte era amador soa estranho falar em juízes comprados. Era o que se dizia na época para se justificar a predominância do Dynamo. O futebol da Alemanha Democrática não era, como já disse, comparável ao da Alemanha Federal. Por vários motivos. Um deles era o valor que se dava aos esportes olímpicos, que recebiam mais incentivos que o futebol. Dizem que os árbitros no lado oriental eram comprados com produtos agrícolas. Bananas caras. Laranjas que não se encontravam facilmente nos mercados. Mas quem os comprava? A Stasi? Eles não eram da Stasi? Por que se comprava quem já estava comprado? Essas questões são feitas por torcedores do Dynamo.

O esporte na RDA era visto como uma maneira de o indivíduo, em uma sociedade coletivista, se sobressair. Não existia ali a competitividade por um emprego que se vê na sociedade capitalista. Apesar dos problemas que o socialismo alemão apresentava, as pessoas viviam bem, sem precisar pisar no pescoço do vizinho para viajar na janelinha. Portanto, para o cidadão se transformar em uma figura nacional, era bom que tivesse talento na arte ou no esporte. Era assim que sobressaía.

Sendo assim, nos anos 1970 o Dynamo, que é um clube multiesportivo, reúne os melhores atletas de vários esportes em Berlim. Suas instalações são de ponta e atraentes para a juventude. Teoricamente deveria transformar essa qualidade em um atrativo para a população, teoricamente deveria ser "querido" por ela. Só que a história do futebol em Berlim é anterior à Segunda Guerra. O leste da cidade era a base da torcida do Hertha Berlin, que acaba ficando no lado ocidental, apartado de parte importante de seus torcedores.
O time que inicia a trajetória do decacampeonato, em 1978


Os torcedores não mudam de time de um dia para o outro. Como o Dynamo é uma construção artificial, é mais difícil ainda que se torne querido. E ainda mais em uma condição como essa: o time da polícia. O público do Dynamo oscila sempre nos 20 mil torcedores, que é quase a capacidade do antigo estádio em que jogava. E a razão disso é que as pessoas gostam de ver o jogo bem jogado.

Isso era algo muito comum no Brasil do passado, muita gente ia ao estádio para assistir um time jogar, mas não necessariamente torcia por ele. Aconteceu com o Dynamo. Entretanto, evidentemente, havia torcedores fanáticos. Que ainda hoje acompanham o time, com um saudosismo exacerbado do período de 1979 a 1988, quando o campeão da RDA era sempre ele. Ano após ano.

Andreas Gläser e Steffen Larisch são da velha guarda. Fanáticos há mais de 30 anos. Conhecem muito bem a fama do time e repelem a acusação de que o BFC não vencia de forma justa nenhum campeonato.

Andreas Gläser é um dos baluartes da torcida do BFC. É um faz tudo. Dedica-se à arte e também a garantir a sobrevivência da associação. É escritor. "O BFC foi culpado pela construção do Muro" é o título do primeiro livro. Ele afirma que é, ainda hoje "um filho orgulhoso do proletariado", como diz o subtítulo de sua obra, lançada em 2002.

Já Sttefen, revela que que tinha vontade de ir embora e ganhar dinheiro na outra Alemanha. Só não deixava seu país por causa do Dynamo, seu grande amor. "Não", diz Steffen, "os campeonatos não eram dados pra gente. Bem, às vezes os árbitros deixavam o jogo rolar um pouco mais que os 45 minutos. Mas dizer que os jogos chegavam aos 55 minutos era mentira. Um clichê. Um dos muitos. Uma invenção da mídia ocidental".

Steffan admite que essa conversa sobre o BFC o deixa perturbado, o deixa triste, pois ele viu a lenda ser construída. Ele e Gläser acompanharam a longa trajetória do clube após a anexação, trajetória deprimente. A perda de jogadores da equipe, a impossibilidade de disputar a Bundesliga, por causa da voracidade ocidental e do "desejo de vingança", segundo eles, a dura e rápida transição de um grande para um pequeno, as quedas de divisão e a ausência de um futuro semelhante ao passado. Houve também a falência, a perda do distintivo.

Os dois e mais outras centenas de torcedores são vistos pelos mais novos como saudosistas dos bons tempos da RDA. O fato de que eles estão entre aqueles que viviam em melhor situação antes da anexação não significa nada para eles. "Bobagem", diz Steffan. "O desejo de viver novamente na RDA não foi maior entre os torcedores do Dynamo que entre aqueles orientais que sequer gostam de futebol. Eles também constataram a triste realidade que vivemos", lamenta.

Flâmula de partida pela Copa da Uefa
contra o Estrela Vermelha de Belgrado
O jogo mais lembrado, o episódio épico, a Odisseia, é a partida contra o Werder Bremen pela Copa dos Campeões da Europa de 1988. A partida de ida foi 3 a 0 para o Dynamo, para êxtase da torcida. A partida pode ser vista no YouTube. É um jogo épico, de fato. Pode-se ver que o Dynamo possuía um bom time, de qualidade. Alinhava Andreas Thom, Thomas Doll, Frank Pastor, Frank Rohde, Rainer Ernest. Tinha um excelente goleiro, na figura de Bodo Rudwaleit. Mais tarde, Thom e Doll jogariam pela Alemanha unificada.

O estádio estava lotado. Nas tribunas à frente das câmeras, percebe-se que boa parte do SED, o partido dirigente, estava ali. Funcionários do governo também. Muitos deles estavam no estádio apenas para ver o jogo. À esquerda, a torcida do Werder, com suas faixas e seus cânticos. À direita, a torcida do Dynamo. Com faixas, cânticos e gritos. Ambiente típico de uma partida de futebol.

Olhando para o nada, para além das arquibancadas, Andreas Gläser relembra com tristeza a partida de volta. Eles não puderam viajar para assistir o jogo em Bremen, apesar de alguns torcedores terem obtido permissão. Isto é algo que incomoda os dinamistas, pois os torcedores do Union, opr exemplo, tinham muito mais facilidade para acompanhar o time pela Europa que os do Dynamo.
Álbum de futebol feito na antiga Bielorússia Soviética, com a equipe do Dynamo de 1982
O jogo em Bremen foi catastrófico, com um 5 a 0 que eles não esperavam tomar, jamais. Eliminação após a sensação de que vinha algo brilhante pela frente. Sensação de que era a vez deles. "Havia algo errado com a criação da equipe, o jogo foi muito estranho", lamenta Steffen. "Estranho", uma palavra que descreve a história do clube de futebol muito acertadamente.

Atualmente, lamentam o fato de o clube ser visto como de torcedores de extrema-direita. Isso justifica a presença de um forte contingente policial na partida contra o Union. Apesar da rivalidade, são dois clubes com torcidas não muito numerosas, mas com tradição de disputas violentas, principalmente nos últimos 25 anos.

Uma das coisas que mais marcam os torcedores é quando os dinamistas mais velhos começam a cantar canções da época da RDA, como os hinos da FDJ, a juventude comunista. "Muitas vezes, as pessoas riem das canções que cantamos", sorri Andreas Gläser. "Outros ficam zangados", completa.

O árbitro apita o final da partida e o placar é de 3 a 1 para o Union Berlin B. Os torcedores começam a recolher a bandeira gigante com o retrato de Erich Mielke. Outros colocam as bandeiras da Stasi, e do Dynamo, sobre as costas. Faixas são recolhidas. Os poucos torcedores do Union cantam enquanto deixam o estádio. Os jogadores do BFC Dynamo dirigem-se sem muita tristeza no rosto rumo ao vestiário. Afinal, trata-se de apenas um amistoso, e a quinta divisão da Alemanha está aí para começar.

Entre eles - e os torcedores - não há nenhuma ilusão de que o Dynamo Berlin é apenas um fantasma que reluta em desaparecer, ainda atormentado pelo estigma que os vencedores lhe impingiram. A luta de classes continua. Não existe mais entre alguns orientais o sentimento de que a Alemanha foi "reunificada", ou que a Alemanha Democrática foi libertada. O que há é uma sensação de que algo bom e ruim foi perdido e o que veio em seu lugar é infinitamente mais trágico.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Dynamo Berlin, ou o time do inferno

No estádio modesto da zona leste de Berlim, capital da Alemanha, torcedores se agitam para assistir a mais um jogo de futebol. No canto direito da arquibancada principal descansa uma bandeira gigante, de fundo vermelho com o retrato de Erich Mielke. Torcedores agitam bandeiras da Stasi. Amarrada no alambrado, uma bandeira branca com um dístico circular azul contém as bandeiras da Alemanha Democrática e da União Soviética.



Não, apesar de tudo isso não voltamos no tempo e não estamos na Republica Democrática da Alemanha. O ano é 2014 e o jogo envolve dois arquirrivais: O BFC Dynamo, outrora poderoso, e o segundo quadro do Union Berlim, que outrora sofreu nas mãos do Dynamo e hoje... bem, hoje desconta todo seu ódio pela freguesia em doses nada homeopáticas de gols. Há alguns anos, o time principal do Union enfiou um 8 a 0 no recordista de títulos da Alemanha Democrática e seguiram-se goleadas vexatórias nos cada vez mais raros encontros entre os dois clubes.

Na imprensa ocidental o Dynamo é o time do Inferno. A frase que mais lemos ao pesquisar sua história é "o time mais odiado". É um mantra. Dos bons aos maus jornalistas, o time é descrito como o time da trapaça. Aquele que nunca venceu uma partida jogando bola. Sempre venceu com o apoio do juiz. Caso preciso fosse, o juiz daria mais dez ou sei lá quantos minutos para o Dynamo fazer o gol de empate ou o da vitória.

Mas... foi assim mesmo? Alguém, algum dia, se perguntou se todas essas histórias eram de fato verídicas? Meses a fio vasculhei a internet para encontrar informações que pudessem mostrar o outro lado da moeda. Não esqueçam que faz parte da história do jornalismo capitalista esculhambar qualquer coisa que faça parte do mundo socialista, portanto, não há que esperar outra coisa dos meios de comunicação que não sejam más referências.



A história começa com a fundação na RDA da Sociedade Dynamo, no ano de 1953. Um clube nacional, tendo sede em diversas cidades, e que proporcionava a seus associados a prática de quase todos os esportes. Um deles era o futebol e seu expoente, naqueles dias foi a seção de Dresden do Dynamo.

O esporte na RDA segue uma estrutura semelhante à criada na União Soviética antes da Segunda Guerra. Sindicatos, categorias profissionais, setores da produção, da segurança, do comércio, todos eles tinham seus clubes. O Dynamo, como na URSS e nos outros estados socialistas, pertencia ao Ministério da Segurança do Estado, a famosa Stasi (diminutivo de Ministerium für Staatssicherheit - MfS). Era o time da polícia, da agência de Segurança, das milícias populares. Era assim na URSS, na Romênia, na Alemanha e na Iugoslávia.

O Dynamo Dresden alcança a glória em 1953, quando conquista a Oberliga pela primeira vez. Em Berlim, o time que se destaca é o Vorwärts, o time das Forças Armadas. Como em todos os países da Europa, o futebol galvaniza as atenções. Não poderia deixar de ser diferente na RDA. A diferença é que no lado socialista o futebol é reorganizado sob bases amadoras. No lado capitalista, o profissionalismo acontece na década de 1960, apenas.

Erich Mielke, que ilustra o bandeirão desfraldado no acanhado estádio do Dynamo, é o chefe da Stasi. Ascende ao cargo em 1958 e fica nele por 32 anos. Como outros alemães, adora futebol. Mas não tem time para torcer em Berlim. Há o Vorwärts, mas é time do Exército. Tem também o Union, mas o time pertence à juventude comunista da Alemanha e é dirigido por membros do SED. A solução que o ministério encontra é trazer para Berlim a equipe do Dresden, o que causa - naturalmente - tristeza e mágoa entre os torcedores. Mas é preciso lembrar que os jogadores dinamistas são, antes de tudo, funcionários do Ministério da Segurança do Estado. Para eles seria honroso servir o MfS na capital do país.




Antes da chegada destes jogadores, a polícia berlinense já tinha um time de futebol. O predecessor do Dynamo foi criado em 1949, como o time da Polícia Popular, o Sportgemeinde Deutsche Volkspolizei Berlin. Em março de 1953 o time ocupou o lugar do SC Volkspolizei Potsdam na segunda divisão do país, a DDR-Liga. Os dois times foram oficialmente fundidos em 27 de março de 1953 e passaram a jogar como seção do SV Dynamo, com o novo nome de SG Dynamo Berlin. Rebaixado para a terceirona na temporada de 1953-1954, o clube foi rebatizado Sport Club Dynamo Berlin, em outubro de 1954.

Nesse mesmo ano, o MfS determina que os jogadores de Dresden se mudem para Berlim, para fortalecer o Dynamo Berlim. Curiosamente, jogadores como Johannes Matzen, Herbert Schoen e Günter Schröter acabam voltando para a cidade. Eles tinha ido para Dresden justamente para fortalecer o Dynamo de lá e reocupar o espaço que pertencia ao time da burguesia local, o Dresdner SC.

Terminando os campeonatos do fim da década de 1950 nas três primeiras colocações, mas sem conquistar título, o Dynamo vai bem até 1963, quando começa a titubear, enfraquecer e finalmente cair para a segunda divisão em 1967.

Pouco tempo antes há uma reformulação no futebol do país e o clube dá lugar, em 15 de janeiro de 1966, ao Berliner Fußball Club Dynamo, nome que carrega até os dias atuais. Depois de um ano na segundona, volta em 1969 e começa a preparar o que viria a ser o melhor time de futebol no lado oriental da Alemanha.

Essa reformulação cria no país algo que existe até hoje e que, de uma forma indireta, contribuiu para a vitória da seleção germânica na Copa do Mundo de 2014 no Brasil. O famoso e vexatório 7 a 1 tem raízes nos centros especiais de formação de futebolistas da SV Dynamo, espalhados por toda a RDA. Os centros contribuíram para gerar jogadores de ponta para o futebol do país e, apesar da fúria privatista alemã-ocidental que não poupou quase nada da RDA, foram conservados e copiados pela Bundesliga, pois estavam muito à frente do que existia na então República Federal Alemã à época da anexação - vulgo "reunificação" - da RDA.

O clube que mais se beneficiou destes centros foi o Dynamo Berlim. É assim que forma a equipe que, de 1978 a 1987 termina com a medalha de ouro no peito em dez ocasiões. Sim, o time foi decacampeão da RDA. E isso significa hegemonia, o que traz antipatia - por fim, ódio - dos adversários. E, junto com o ódio, vieram as lendas.

A mais famosa é a do pênalti contra o Lokomotiv Leipzig. O time dos ferroviários vencia a partida por 1 a 0 e o "time da trapaça" foi ajudado pelo juiz no último lance da partida, aos 50 minutos da partida. Juizão apita pênalti pro time da polícia. Escândalo. Dizem que o jogador caiu sozinho. Pênalti convertido e, duas rodadas depois, o Dynamo é eneacampeão alemão. Dizem que o caso repercutiu no país, que a cabeça do juizão rolou. No entanto, anos depois uma emissora de televisão alemã entrevista os envolvidos na partida. Mostra cenas do jogo e, pasmem, mostra justamente o lance que originou o gol de empate dinamista.

Tudo que é mostrado desmonta a teoria da conspiração que se desenvolveu a partir daquele lance. O pênalti existiu, caro leitor. O zagueiro da equipe dos ferroviários alemães empurra um atacante do Dynamo, enquanto a bola viaja sobre as suas cabeças. Quando ela cai, em seguida, é tocada pelos braços do zagueiro. O lance lembra a "manchete" do voleibol e é tão claro que, mesmo com a baixa qualidade do vídeo, percebe-se com clareza a falta.

Veja o vídeo, a partir de 40 segundos:




Os centros formadores, ou o que chamamos de "categoria de base", criaram grandes jogadores para o Dynamo. A lenda diz que a Stasi trazia para o Berliner Dynamo os melhores jogadores do país, mas basta consultar as biografias dos jogadores para perceber que as transferências eram normais. Thomas Doll deixou o Hansa Rostock, que havia acabado de cair para a segunda divisão, para jogar no Dynamo, porque era um clube vitorioso.O clube dava apartamento, carro, destaque na mídia, tudo que um atleta de ponta desfruta. Menos salário milionários ou fortunas em contratos.

Estamos acostumados a ver transferências de jogadores por dinheiro, só que na RDA o futebol – como os demais esportes – não era profissional e o jogador deveria ser contratado pela organização que mantinha o clube, sendo assim, todos os jogadores do Dynamo eram "agentes da Stasi". Andreas Thom, um expoente da fabulosa equipe do final dos anos 1980, foi acusado de ser agente da Stasi. Thom foi revelado nas categorias de base e com a anexação da RDA acabou sendo contratado pelo Hamburger, de Hamburgo, junto com outra estrela da equipe, Frank Rohde. O Dynamo Berlin não obteve nenhum lucro nessa transferência.

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No próximo artigo serão tratados os títulos do Dynamo Berlin, seus grandes jogadores, jogos históricos e a tragédia que se abateu no futebol do lado socialista após a anexação da RDA pela Alemanha Federal.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Campeão da Lampions na zona da Série B

O Ceará perdeu na quarta-feira (30 de junho) à noite para o Luverdense. A peia foi de 3 a 0. Situação catastrófica, já que permanece agarrado à zona de rebaixamento da Série B.

Não faz muito tempo o Vovô foi campeão da Copa do Nordeste, a Lampions League. Torneio bacana, sem dúvida. Põe frente a frente grandes times do Brasil que pouco se enfrentam.

Mas é como ganhar um campeonato estadual. Não significa nada. A torcida do Ceará entusiasmou-se e esperava o acesso para a Série A. Ainda dá, mas desse jeito vai ter de lutar muito para escapar do subsolo do subsolo.

Eu gostava do Brasileiro com 20 clubes, turno e returno, campeão por ponto corrido. Esses "paranauê" aí...

Só que o país é grande e não dá pra ter um torneio com apenas 20 clubes, com viagens de mais de 2 mil quilômetros. Isso aqui é um continente, não é mole.

Bom mesmo é um Estadual com 16 times, de ponto corrido e turno e returno. O Brasileiro vai no formato tipo "Copa do Mundo", com ligeira diferença: 32 times, 4 grupos de oito, turno e returno no grupo, classifica-se o primeiro de cada, semifinal e final...

E agora estou aqui pensando como é que o Guarani de Juazeiro vai fazer para viajar 1,6 mil quilômetros para pegar o Santos do Amapá, na estreia do Brasileiro da Série D, dia 12. É muito prejuízo.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Que fazer?

Já faz algum tempo que pretendia escrever sobre futebol. E sempre pensava sobre que aspecto abordar. Durante anos li histórias sobre times, clubes e nações e essas histórias incomodavam, porque eram contadas a partir de um viés de direita, que é o adotado pela mídia empresarial.

Para ela, é mais importante abordar aspectos como o lucro no futebol, o marketing, que propriamente, o espetáculo que era uma partida de futebol. Tentam assim, incutir na mente dos torcedores que seu clube é uma empresa, que o futebol é um ramo da economia e que os jogadores são bens patrimoniais ou mercadorias.

Sem ter a pretensão de reescrever a história, pretendo relatar o que ficou escondido pela mídia tradicional e criticar o que é elogiado e incensado.

A primeira história será a do Berliner Fussbal Club Dynamo, o odiado e mal falado (pela direita) time da capital da extinta Alemanha Democrática.